O Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV DIREITO RIO e o Ministério da Justiça realizaram o lançamento do processo colaborativo para a criação de um Marco Regulatório Civil para a Internet Brasileira.
O marco civil buscará consolidar um conjunto de direitos e responsabilidades aplicáveis aos diversos usuários da internet (cidadãos, governo, organizações). O processo de elaboração será aberto para a participação popular, por meio da internet.
Apoiando a iniciativa da FGV DIREITO RIO, o professor da Harvard Law School, Willian Fisher, que está no Brasil proferindo o Seminário Internacional na FGV "Advanced Intellectual Property Law", concedeu uma entrevista para a Revista Época e os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de São Paulo.
"Não conheço nenhuma outra experiência que tenha convidado os usuários de internet para participar do processo de estabelecimento de um documento tão fundamental. É uma iniciativa pioneira"
Clique aqui e veja a entrevista na Revista Época.
Clique aqui e veja a matéria no Jornal O Estado de S. Paulo.
Clique aqui e veja a matéria no Jornal Folha de S. Paulo.
O integrante do Centro em Pesquisas em Direito e Economia (CPDE), Gustavo Sampaio, questionou o professor Willian Fisher sobre o Marco civil para Internet brasileira. Leia a resposta abaixo:
Gustavo Sampaio: Um dos debates do qual você participou aqui no Brasil foi sobre o arcabouço jurídico de direitos civis para a Internet que foram discutidos de forma colaborativa online e será submetido ao Congresso. Qual sua opinião sobre esse projeto de lei? Quais são seus principais pontos positivos? E quais seriam suas sugestões para texto atual?
Willian Fisher: Então, em grande parte é um excelente projeto. Trata-se de um esforço pioneiro para estabelecer princípios fundamentais em relação a regulamentação jurídica da Internet. Eu não sei sobre nenhum outro país que tenha tentado algo desse tipo. Há duas características gerais desse projeto que são especialmente admiráveis e há vários complementos específicos. Então, as duas características principais que são bastante impressionantes são: primeiro, o procedimento usado através de um convite aberto para as pessoas na Internet comentarem sobre a regulamentação da Internet, então, uma expressiva taxa participativa na redação de projetos de lei. Agora, muitos projetos de lei são regidos por burocratas e políticos e, então, enviados para o público comentar. O que é diferente neste caso é solicitar comentários antes que o projeto seja preparado. Esse é a primeira dimensão procedimental.
Em termos de conteúdo, o que é impressionante neste projeto de lei é que há uma abordagem bem diferente da regulamentação jurídica quanto à internet daquela presente na maioria dos países. O modo mais típico de abordar a internet de um ponto de vista jurídico é identificar as maneiras em que a internet está sendo utilizada de forma abusiva, as pessoas estão usando-a com propósitos ilícitos. Isso é o que estamos tentando evitar. É algo bem sensato de se tentar fazer, é bem verdade que há bastante abuso na internet, mas antes de abordar estes abusos é necessário ter bastante bom senso para identificar os aspectos nos quais o acesso à internet são cruciais, para que atinja-se uma devida proteção para pessoas e grupos importantes e para seus direitos e liberdades. Portanto uma declaração forte no início de porque a internet é importante e porque o acesso a ela é algo que o governo deve se esforçar para intensificar é muito importante e deve vir antes da identificação das maneiras como as pessoas estão abusando. Isto é, de uma maneira geral, o que esse projeto de lei faz. Então estas são as duas principais características que são especialmente impressionantes.
Os pontos específicos presentes abordados incluem privacidade, neutralidade de rede e “portos seguros” para os provedores de acesso à internet e para os provedores de serviços on-line. Então, mais uma vez neste nível mais específico meu ponto de vista em geral é que este país está fazendo um trabalho muito bom. Mas há alguns, dois, ajustes que sugeri, que poderiam ser feitos neste projeto que o tornariam melhor. Um deles é complementar a impressionante discussão sobre os direitos de privacidade com o reconhecimento do valor correspondente da portabilidade de dados. O motivo porque menciono portabilidade, que parece ser um ponto bastante técnico, na realidade é importante, pois é o reverso da questão da privacidade. A questão da privacidade é a necessidade de permitir que as pessoas que usam a internet permaneçam anônimas, escondendo suas identidades. E isto é importante para muitas pessoas. Mas também é muito importante que as pessoas possam afirmar e estabelecer sua identidade na internet e preservar sua continuidade. Essa identidade é navegar-se nos espaços, especificamente navegar nos sites de relacionamento na rede. Então uma ampla declaração de princípios a favor da portabilidade de dados, não um conjunto específico de regras, as quais são muito detalhadas para estarem presentes em um projeto de lei, mas uma ampla declaração de princípios é uma das questões que discordo do projeto. Bem, esta é uma das duas sugestões que dei ao projeto. A outra é que se a versão do procedimento de notificação e retirada que existia no projeto original da lei era melhor do que o projeto atual.
E o procedimento de notificação e retirada tenta manter o equilíbrio, por um lado, entre o interesse legítimo dos proprietários de direitos autorais de não ter seu material copiado e distribuído sem sua permissão, o caminho não é este, a fonte é irrelevante. E por outro lado, a importância de permitir que os provedores de serviços da internet e os provedores de serviços on-line forneçam serviços acessíveis às pessoas que precisam acessar a internet, e um procedimento de notificação e retirada que tem muitas variantes no mundo, é um esforço para reconciliar esses dois lados. Acho que a maneira correta de conseguir esta reconciliação é exigir que os provedores de serviços da internet e os provedores de serviços on-line retirem rapidamente o material ao serem notificados pelo proprietário dos direitos autorais. A não ser que recebam uma notificação contrária da pessoa que a colocou, que é um caso especial que deve ser aplicado para reintegrar o material e deixar que o tribunal decida, mas na ausência desta notificação contrária, que é relativamente rara, acho que é apropriado exigir que os provedores de serviços on-line retirem rapidamente os materiais.
E isto é o que o projeto de lei original determinava e a sua versão atual não o faz. A versão atual apenas requer que um provedor de serviços on-line retire o material depois que o tribunal determinou que este viola os direitos dos detentores dos direitos autorais ou outra regra jurídica. Espero que os meus pontos de vista não demorem muito, pois é extremamente corrosivo e perigoso para os interesses dos detentores de direitos autorais, e também é caro para os tribunais processarem e julgarem essas questões. Então este é outro ajuste, é um detalhe, que esperamos melhorar hoje, com a exceção destes dois pontos, o projeto é realmente memorável e espero que seja aprovado.